quarta-feira, 9 de março de 2011

Guilherme Mansur participa de 'Varais em Belém'

A entrevista estava agendada para o final da manhã ensolarada. O cenário era lindo, e Guilherme Mansur espiava o lago azul anil que embeleza o quintal do condomínio onde o poeta está hospedado em sua primeira visita a Belém. Fascinado com a natureza da cidade, Mansur se apressa em explicar um de seus novíssimos projetos. No gramado se vê folhas de papel ofício alinhadas. Mas não há nada escrito nelas. Ainda.
“As únicas marcas serão as ações da natureza daqui, da chuva e do sol. A escolha pela forma linear evoca a linha do Equador, que passa no Norte. Não haverá palavra. Chuva e sol vão inscrever nos papéis, e registrar as marcas que fazem na cidade”, diz o poeta e tipógrafo que, ao final do processo, pretende recolher os papéis e organizá-los em espiral no livro batizado com nome auto-explicativo, “Sol e Chuva”.
“Quando eu penso em letra, eu penso em cor, penso em cheiro”. Por entender a palavra como um fenômeno muito maior que a própria escrita, o também tipógrafo, ou melhor, “tipoeta” Guilherme Mansur transita com toda liberdade entre as artes plásticas e a poesia. De tão próximas, as duas se misturam: o poeta escreve sem a palavra, a letra se torna imagem estética.
Uma mostra desse fenômeno literário promete fazer chover hoje. Numa cidade molhada como a capital paraense, isso não seria novidade. Mas se tratando de uma chuva provocada por Guilherme Mansur, há de se esperar bem mais que o convencional. No sarau literário “Varais”, de Josette Lassance, o tipoeta mineiro participa com sua Chuva de Poesia, projeto que reúne textos assinados por escritores dos quatro cantos do país, e que estará em exposição hoje no Espaço Cultural Corredor Polonês.
Acompanhe trechos da entrevista concedida com exclusividade ao Caderno Você, num bate-papo em que Mansur fala sobre sua poesia, que já teve como parceiros grandes nomes como os concretistas Paulo Leminski, Décio Pignatari e os irmãos Campos; e sobre seu impressionante fôlego criativo.
Poesia como experiência visual
P: Num de seus primeiros trabalhos, você reuniu poemas em sacolas de papel, impressos artesanalmente. Dessa antologia participaram vários poetas, entre eles, Max Martins. Foi o interesse pela poesia paraense que o trouxe agora até Belém?
R: Na verdade, Belém é um desejo infantil. Meu pai veio aqui na década de 1950, quando estudante. E ele contava histórias memoráveis da sua visita ao Marajó. Do quanto era deslumbrante. Então, Belém é uma cidade que sempre nos convida. Pela culinária, pelos cheiros, pelo tempo próprio daqui, chuva e sol de mãos dadas. Mas sem dúvida aqui há artistas que eu admiro. Armando Queiroz e Emanuel Nassar são artistas que eu gosto muito. Além do Max, Age de Carvalho também participou da antologia, que tinha essa linguagem da poesia marginal, era distribuída de mão em mão.
P: O título de “tipoeta” foi atribuído a você por Haroldo de Campos. Fale um pouco da sua história com a tipografia e com a possibilidade de fazer da palavra uma experiência visual.
R: Eu sou tipógrafo por formação. Nasci dentro de uma tipografia. Fui alfabetizado por uma caixa tipográfica cheia de tipos de chumbo. Quando eu fui para escola, a professora começou a ensinaa o abc com o giz no quadro. E aquilo me causou uma crise. A letra, a palavra, para mim, tinha tinta, tinha peso, tinha cheiro, não era aquilo chapado em giz no quadro negro. E isso se reflete na minha poesia. O rigor do meu trabalho como poeta vem da tipografia. As letras são, de fato, objetos que eu uso para construir o poema. Na minha família, a tipografia tem 60 anos. Mas é um trabalho que remonta ao século XIX, quando se pensa nos cavaletes, nos tipos de ferro, tudo que foi comprado de pequenas tipografias antigas que fecharam.
P: Mesmo que se trate de um trabalho artesanal secular, você moderniza a tipografia. Não à toa, escritores de vanguarda se tornaram seus parceiros.
R: A aproximação com o concretismo foi um encontro natural. Minha tipografia despertou a curiosidade dos irmãos Campos e de Décio Pignatari. Temos alguns trabalhos juntos. Com o Haroldo, fiz “Gatimanhas e Felinuras”, sobre nossa paixão por gatos. Com o Décio, um encarte sobre Ouro Preto, que reunia poesias minhas e dele.
P: Assim como os concretistas, sua escrita é extremamente visual. Dá para definir onde começa a arte plástica e começa a poesia?
R: Não dá pra definir. Meu trabalho é um híbrido. Eu piso nas artes visuais com um pé, com o outro, piso na literatura. Misturo. Faço montagem com a tipografia, exploro os sons da palavra, exploro a música. Esse caldo de poesia tem vários temperos. O compromisso que eu tenho é com o meu imaginário. A forma de fazê-lo são muitas.
P: Como será a sua participação no sarau “Varais”?
R: Eu trouxe a “Chuva de Poesia”, um happening que há anos eu realizo em Ouro Preto, minha cidade. São poemas assinados por vários escritores, como Arnaldo Antunes, Paulo Leminski, impressos em folhetos coloridos, que são jogados sobre a cidade. Aqui em Belém, onde a chuva tem uma presença tão forte, a idéia é atribuir um novo significado para esse fenômeno. É uma chuva de palavras, de cor, que também te toca, que você pode guardar, ler.
P: E já que Belém é um desejo tão antigo, você planeja realizar mais algum projeto por aqui?
R: Quero ir ao Ver-o-Peso. Viver o clima do mercado, gente, sotaque, movimento, povo. Há a intenção de montar um poema-instalação por lá. O nome vai ser “Ver-o-Peso: Pegadas”. Eu trabalharia com as pegadas do povo dentro do mercado. Marcas de pés, sapatos, marcas de gente em movimento registradas em folhas de papel. Vou passar duas semanas por aqui, e não posso sair de Belém sem saciar muitas vontades: conhecer Mosqueiro, o Museu Goeldi, comer maniçoba, pato no tucupi e provar os sorvetes daqui. Não há tempo para deixar nada para depois.

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